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POR QUE PEDIATRA?



A um certo ponto do curso, muitas vezes desde o primeiro dia, o estudante de Medicina se vê diante da dúvida: que especialidade seguir? Alguns já trazem sonhos de antes ou exemplos familiares. No meu caso havia um sonho, espelhado em profissionais que admirava, mas que logo no segundo ano deixou de ser uma opção. Assim como quando elegemos que carreira queremos prestar no vestibular, parece-me que não somos muito maduros para decidir qual especialidade seguir para o resto da vida, logo nos primeiros anos de faculdade. Os 6 anos são essenciais para essa escolha e, mesmo assim, conheço muitos colegas que fizeram uma segunda especialidade. O meu primeiro contato apaixonado com a pediatria foi no terceiro ano, na primeira aula de semiologia da criança - disciplina teórico-prática que dedica sua atenção aos sinais e sintomas apresentados pelos pacientes pediátricos. Uma escolinha levava seus alunos, na faixa dos 5 anos, até a faculdade e lá aplicávamos nossos poucos conhecimentos de exame físico nessas crianças saudáveis e incrivelmente simpáticas, nada de choro e muita diversão. Ao examinar meu paciente da cabeça aos pés, resolvi auscultar suas carótidas (artérias calibrosas que levam sangue oxigenado à cabeça), algo que não é muito comum, nem mesmo no exame físico do adulto. Para minha surpresa, aquele menino tinha um sopro bastante evidente em uma delas, mas como eu ainda estava aprendendo, preferi chamar o professor para ter certeza do que ouvia. Em seguida, ele me olhou como uma cara de espanto “você está certíssima!”; encaminhamos aquela criança ao ambulatório de cardiologia pediátrica para uma investigação mais profunda. Eu nem soube mais nada sobre o desdobramento do caso, mas sentia que tinha ajudado aquela criança e sua família a prevenirem um evento potencialmente grave.


Os anos passaram e, no meio do caminho, também me interessei por Obstetrícia (até mais que pela Pediatria) e pelo binômio mãe-feto, entretanto no início do último ano a decisão estava tomada, eu seria pediatra. Mas ao contrário do que muitos acham, ser pediatra vai muito além do “gostar de criança”, e depois de alguns anos de contato com elas e suas famílias (e muitos outros anos de terapia), descobri que o realmente me encantava era essa relação e o poder que as famílias tem de moldar aquele pequeno ser humano. Entendi muitas coisas sobre a minha própria história e personalidade, e pude aceitar tantas coisas que considerava como falhas na minha educação e desenvolvimento. Comecei a entender, como filha, que nossos pais são tão imperfeitos como nós e que fizeram o melhor que aquele momento permitia. Ainda não sou mãe, apenas de pets, mas já tenho um pequena noção do quão difícil é aceitar que, na maioria das vezes, o seu melhor não é suficiente (e está tudo bem!). Quem nunca se sentiu culpado por não levar seu bichinho para passear ou não ter energia no final do dia para brincar com ele? A maternidade/paternidade deve ser assim, só que infinitamente amplificado, mais complexo e talvez até um pouco opressor.


Muitas vezes esse sentimento começa antes mesmo da concepção: “será que não é cedo demais?”, “aconteceu, estamos grávidos e não me sinto preparado”, “já tenho quase 35 anos e meus óvulos estão velhos”, “será que tenho recursos financeiros suficientes para criar um filho?”, “será que precisarei abdicar da minha vida para isso?”. Muitas perguntas sem resposta ou respostas muito tardias, somadas a outros tantos sentimentos de falta, insuficiência e até fracasso. Já ouviram a frase “nasce uma mãe, nasce uma culpa”? E ela certamente também se aplica aos pais… Mas falando assim parece terrível, não? Parece, mas não tem que ser… e é aí que eu me encaixo! Como pediatra, depois de vivências extremas na UTI, tentando informar, acolher e confortar mães e pais desesperados, percebi que um pouco da minha missão é partilhar essa responsabilidade e essa CULPA, criando um espaço seguro onde não só a criança, mas também os pais são o foco. Criar uma parentalidade o mais próxima possível daquilo que idealizamos envolve perdoar padrões familiares que não foram saudáveis na nossa própria criação, mas principalmente perdoar as nossas próprias falhas nesse processo. O primeiro passo é sempre aceitar, o resto é construção!




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